ARTIGOSou Fisioterapeuta, trabalho com Pilates e Reeducação Postural. Manipulação Visceral é importante no meu trabalho?
WhatsApp05/01/2022
Se você é Fisioterapeuta e trabalha com terapias do movimento e postura, como o Método Pilates, a Reeducação Postural Global, Rolfing, Método G.D.S., ou outra metodologia, o tratamento visceral pode ser a ferramenta que falta para você:
- melhorar os resultados do seu trabalho;
- avançar naqueles casos difíceis de evoluir;
- ou oferecer um diferencial aos seus pacientes.
Para entender como a Manipulação Visceral pode fazer você alcançar estes resultados, vamos falar sobre a inteligência do corpo.
Você já sabe muito bem que o corpo humano é um organismo auto-regulável, que busca constantemente manter-se em equilíbrio, com estratégias próprias para isto.
Falando do ponto de vista mecânico, fundamental para o movimento e a postura, toda vez que uma estrutura não consegue executar adequadamente seu movimento, haverá prejuízo nas funções de movimento, força, coordenação, equilíbrio, postura, e outras.
É fácil entender isto quando temos uma dor forte, que altera nossa postura (nos obriga a manter posturas antálgicas), ou dificulta nossa marcha. Mas a maioria das disfunções de movimento que o corpo apresenta são pequenas e imperceptíveis, são pequenas perdas de da elasticidade, ou contratibilidade, dos tecidos moles, pequenas alterações nos eixos de movimento articular, perda da capacidade de deslizamento entre as superfícies articulares, pequenas alterações circulatórias que causam estases líquidas, que não impedem os nossos movimentos, mas mudam a forma como os realizamos.
Geralmente não temos consciência destas pequenas limitações, porque são assintomáticas, e porque nosso cérebro vai procurar formas de continuar executando os movimentos, e mantendo a postura, evitando que limitações funcionais perceptíveis apareçam. O cérebro cria uma compensação, ou adaptação, que mantém o corpo funcional.
Vamos ver um exemplo simples:
Um paciente sofreu um entorse de tornozelo, recuperou-se da fase aguda e está assintomático, mas há uma sequela deste entorse, o deslizamento do tálus na pinça bimaleolar (tíbia/fíbula) não está ocorrendo de forma satisfatória. Este movimento é fundamental para os movimentos de dorsiflexão e plantiflexão, que consequentemente estarão limitados.
Esta limitação de movimento, de pequeno grau, não impede que o paciente caminhe, ou se equilibre na postura em pé, mas a incapacidade de deslizamento livre entre as estruturas articulares vai causar um estresse nestas estruturas. Pouco a pouco este estresse causará uma agressão aos tecidos, e como consequência um processo inflamatório.
O cérebro percebe isto, embora o paciente ainda não tenha consciência do que está acontecendo. O corpo tentará aliviar este estresse, para que o movimento ocorra sem agressão aos tecidos, e fará isto tentando alterar o movimento. O cérebro experimenta diferentes padrões de movimento, buscando uma forma de diminuir o estresse na articulação talo-crural, e fará isto modificando a função muscular. A coordenação muscular alterada, agora seguindo outro padrão, vai alterar outras estruturas articulares. Talvez haja uma alteração no movimento da fíbula, talvez altere a relação entre a tíbia e o fêmur, talvez a alteração de movimento da fíbula transmita tensão pelo trato ilio-tibial e acabe repercutindo sobre o osso ilíaco e a articulação do quadril.
São vários os “caminhos” que o cérebro pode encontrar para diminuir o estresse sobre a articulação talo-crural, mas o que certamente irá acontecer é que uma ou mais articulações terão seu movimento alterado para evitar a agressão aos tecidos do tornozelo.
E tudo isto ocorre sem sintomas e sem a consciência do paciente.
Você conhece bem a consequência deste processo: pouco a pouco, as articulações que agora tem seus eixos de movimento alterados, sofrerão estresse mecânico. E quando isto acontecer, o corpo vai buscar outros padrões de movimento, para aliviar estes estresses mecânicos secundários.
Este processo seguirá até que o corpo não consiga mais aliviar o estresse de uma estrutura, compensando com outra. Quando isto acontece e o estresse mecânico não pode mais ser resolvido pelo corpo, surgirão sintomas, na grande maioria das vezes dores.
Como podemos ver, o corpo humano é um organismo inteligente, auto-regulável, que busca funcionar de forma otimizada, usando estratégias para evitar os estresses mecânicos sobre a estrutura.
Mas esta estratégia de auto-regulação do corpo tem limites e, quando este limite é ultrapassado, o estresse e os sintomas são inevitáveis.
Os sintomas geralmente vão surgir em estruturas bastante distantes do local onde o processo começou, no caso do nosso exemplo do tornozelo, o local dos sintomas, na maioria das vezes, não é o local onde o problema começou, é o local onde o corpo não conseguiu executar uma estratégia eficiente de compensação para aliviar o estresse mecânico.
A primeira conclusão que chegamos é:
Tratar a região sintomática, apenas, não resolverá o problema.
Tratar a região sintomática geralmente tem resultados muito pobres e, quando se obtém algum alívio, é comum que ele dure pouco.
Ao tentar empregar exercícios com seu paciente, você encontrará limitações, certos movimentos não vão evoluir, certas posturas não se modificarão e, às vezes, dores podem surgir. Isto porque o corpo está tentando diminuir a mobilidade de uma estrutura, para não sobrecarregar outra, e você está forçando-o a mover. Este conflito causará estresse e consequentemente dor.
O corpo, como um organismo inteligente, está tentando aliviar o estresse, por meio de suas compensações e adaptações. Seu trabalho, de uma forma muito correta, está tentando tirar estas adaptações e devolver a função ótima. O problema é que, se há uma limitação importante, esta não irá melhorar somente com os exercícios e posturas, o corpo continuará tentando manter as adaptações.
É fundamental, portanto, restabelecer a função perdida na(s) estrutura(s) que o corpo está tentando compensar, para que o seu trabalho consiga evolução e alcance resultados ótimos.
É verdade que muitas vezes as limitações não são muito importantes e a prática de técnicas de movimento e de postura irá revertê-las. Nestes casos você terá resultados muito satisfatórios. Mas nos outros casos os resultados não serão aqueles que você e o paciente buscam.
Agora ficou claro que a grande maioria das limitações funcionais que você encontra, e busca corrigir, no seu trabalho, são estratégias de “defesa”, de adaptação do corpo para diminuir o estresse mecânico e a agressão às estruturas.
Mas onde entram as vísceras? Qual a relação delas com isto tudo?
Demos um exemplo de uma limitação que iniciou em uma estrutura articular, o tornozelo, por ser algo que você já está mais familiarizado(a), mas o mesmo processo ocorre quando temos uma limitação nas vísceras!
Limitação nas vísceras? Como assim? Vísceras não são articulações!
Elas não são articulações da forma como você sempre enxergou uma articulação, mas, na verdade, elas possuem um comportamento mecânico, e estruturas, que se assemelham bastante às articulações esqueléticas.
Jean-Pierre Barral foi o primeiro a chamar a atenção para isto, e criou o termo “articulações viscerais”.
As vísceras são envoltas por fáscias, que são tecido conectivo, tal como os tecidos articulares. Entre as vísceras existe um líquido lubrificante, assim como também há nas articulações. Esta estrutura deixa claro que há nas vísceras estruturas para permitir o seu movimento, e isto torna óbvio que há movimento entre as vísceras.
Toda vez que você respira as vísceras se movimentam, o diafragma sobe e desce movimentando as vísceras abdominais, torácicas, e até as vísceras pélvicas. Toda vez que você move seu tronco, como por exemplo em uma flexão, você movimenta suas vísceras. As vísceras são incompressíveis, se você diminui o espaço anterior do abdome em uma flexão de tronco, as vísceras precisam “ir para outro lugar”, porque, como já dissemos, elas são incompressíveis. Caso suas vísceras não conseguissem mover para outra posição, formariam uma coluna rígida e incompressível, e você não conseguiria flexionar o tronco.
Outro fato interessante é que as vísceras possuem ligamentos...
Sim, isto mesmo, existem ligamentos viscerais!
São estruturas de tecido conectivo, exatamente iguais aquelas que você encontra nas articulações, que prendem as vísceras umas nas outras, ou nas paredes do corpo. Isto quer dizer que os movimentos viscerais são limitados pelos ligamentos, assim como acontece nas articulações, e estes ligamentos também determinam certos eixos de movimento. As vísceras não se movem aleatoriamente e em qualquer direção, elas se movem em padrões de movimento, em torno de eixos, determinados em grande parte pelos ligamentos.
Se as vísceras possuem um “aparato” para o movimento, este movimento só acontecerá se estas estruturas do movimento estiverem saudáveis e funcionais.
Quando as estruturas de movimento das vísceras sofrem alteração, seu movimento sofrerá alteração. E qual a consequência disto? Estresse mecânico! E você já sabe muito bem que quando há estresse mecânico o corpo tenta compensar, adaptar, para aliviá-lo.
Então quer dizer que as limitações de movimento e postura que o corpo apresenta podem ser adaptações para compensar a perda de mobilidade das vísceras?
Exatamente!
E, se você continuar a tentar otimizar o movimento e a postura sem resolver estas limitações do movimento visceral você provavelmente não chegará aos resultados que busca e, algumas vezes, poderá causar ainda mais estresse pois o corpo irá lutar para manter suas estratégias de adaptação.
Fica claro que o corpo é um organismo inteligente e que lutar contra o que ele está tentando fazer é improdutivo.
Todo tratamento precisa cooperar com o corpo, entender as razões das suas alterações e procurar formas de devolver as funções perdidas para depois ajudá-lo e reencontrar seu equilíbrio e otimizar sua funções.
Bem, agora você já conseguiu entender que a causa de muitos insucessos no seu tratamento são as limitações de movimento que o corpo possui e que estão gerando as compensações que você encontra na forma de disfunção de movimento e postura.
Você já entendeu que as vísceras também podem sofrer limitação de movimento, e assim também podem ser a causa das adaptações.
Até aqui já ficou claro que você não pode negligenciar a avaliação e o tratamento da mobilidade visceral em seus pacientes, sob risco de não conseguir evoluir.
Mas tem algo ainda mais importante que você precisa saber:
A grande maioria dos seus pacientes que não estão evoluindo estão limitados por problemas viscerais.
Como já dissemos antes, muitas vezes as técnicas de movimento e postura obtém bons resultados mesmo sem encontrar e abordar especificamente a(s) estrutura(s) que causaram as adaptações do corpo. Isto acontece porque:
- Algumas vezes estas limitações são pequenas e não precisam de uma técnica específica sobre elas, um trabalho global vai pouco a pouco trazê-las de volta à função;
- Outras vezes a limitação não se resolve, mas atenua, e deixa de ser uma preocupação para o corpo, que não precisa mais de uma estratégia para protegê-la do estresse (porém isto vai causar o surgimento de um “elo fraco” no corpo, que terá consequências, mas isto é assunto para outro artigo);
- Outras vezes a limitação não se resolve, mas o corpo acaba encontrando uma forma de compensá-la (que, afinal, é o que ele sempre está tentando fazer) e os sintomas desaparecem.
Porém, quando você não consegue bons resultados, é porque nenhum destes processos está acontecendo. E na maioria das vezes nenhum destes processos ocorre quando a limitação está no sistema visceral.
As vísceras são estruturas vitais.
O corpo consegue manter as funções em um nível suficiente se o seu tornozelo não estiver movendo no eixo ideal de movimento. Ou se os seus músculos abdominais não tiverem uma ótima função. Ou se as suas articulações vertebrais não estiverem totalmente livres e com sua amplitude total de movimento. Mas se você tiver um prejuízo na função do fígado, do rim, do pâncreas, etc., isto torna muito mais difícil para o seu corpo manter as funções em um nível adequado.
Alterações de movimento visceral podem prejudicar as funções viscerais?
Sim!
Porque o funcionamento visceral depende fundamentalmente da circulação. E onde há restrição de movimento há restrição de circulação. Consequentemente haverá prejuízo da função visceral.
Mas, então, o paciente não deveria estar apresentando sintomas viscerais, ou alterações em exames?
Não.
Lembre que falamos que quando você tem uma pequena perda de movimento na articulação talo-crural isto se torna assintomático e não há como o paciente ter consciência que isto está acontecendo, mas o cérebro vai perceber esta limitação, vai perceber que ela pode ser uma fonte de estresse para as estruturas articulares, e vai tentar armar compensações para diminuir este estresse.
O mesmo acontece com as vísceras. Na grande maioria das vezes o cérebro vai perceber o estresse sobre as vísceras, e a ligeira perda de função, e vai buscar estratégias de adaptação para reverter isto. Se o cérebro for eficiente esta perda de função não chegará a causar sintomas, nem aparecerá em exames. Mas as adaptações instaladas pelo cérebro causarão estresse sobre outras estruturas do corpo, especialmente as musculoesqueléticas, causando alterações de movimento e postura.
Isto quer dizer que, muitas das limitações de movimento e postura que não melhoraram com seu tratamento eram causadas por limitações viscerais!
O corpo sempre tenta proteger as estruturas contra o estresse mecânico mas nem sempre é possível manter todas em ótimas condições, por isto é preciso priorizar.
Na hierarquia do corpo, as vísceras estão na prioridade mais alta.
Se houver algo prejudicando a mobilidade, a circulação e as funções viscerais, o corpo usará estratégias de adaptação e as manterá, com força.
Se você tentar modificar uma postura que está sendo mantida para proteger a função visceral seu trabalho será totalmente em vão.
E se você estiver tentando aliviar um sintoma trabalhando sobre o movimento de uma estrutura que o cérebro está tentando manter imóvel, para proteger a função visceral, da mesma forma você não alcançará resultados.
Portanto, como falamos no início do artigo, se você considerar o tratamento das vísceras no seu trabalho de movimento e postura, você terá resultados ainda melhores, pois estará trabalhando sobre um dos principais motivos de alteração da função de movimento e postura.
Você também irá, como dissemos, conseguir evoluir naqueles quadros que você não está conseguindo porque as restrições viscerais precisam ser tratadas especificamente caso contrário serão uma grande fonte de adaptações, defendidas com força pelo cérebro.
E, por fim, você oferecerá um diferencial para seus pacientes:
- Porque você pode conseguir evoluir quadros que outros profissionais não conseguiram;
- Porque você pode causar alívio de outros incômodos que muitas vezes o paciente nem lhe conta que tem, porque acha que não estão relacionados ao seu trabalho, tais como: perturbações digestivas, constipação, dificuldades respiratórias, incontinência urinária, entre muitas outras;
- E porque seu paciente vai perceber que você trabalha de uma forma mais global que os demais profissionais, que você considera outras coisas que os outros não sabem como abordar, que sua abordagem de tratamento é mais inteligente, e por isto chega mais longe.
As técnicas de trabalho sobre o movimento musculoesquelético, fascial e sobre a postura foram uma grande evolução dentro do tratamento fisioterapêutico e trouxeram solução para uma enormidade de situações que antes a fisioterapia não conseguia resolver. Mas, como todas as soluções tem seus limites.
Você pode aceitar as limitações do trabalho ou procurar outros recursos que, associados, cheguem mais longe. E a Manipulação Visceral é um recurso que causa uma grande diferença quando utilizada em conjunto com outros tratamentos, trazendo muito mais resultados e tornando o tratamento muito mais integral.
Mas é preciso considerar algo quando você quer trabalhar com Manipulação Visceral:
É necessária uma boa habilidade manual. Manipular vísceras é bem mais difícil que manipular ossos, articulações, músculos, etc.
As vísceras possuem uma densidade muito menor, portanto são mais difíceis de “pegar”. Em vários lugares, principalmente no abdome e na pelve, algumas vísceras ficam sobrepostas às outras, e por isto muitas vezes é preciso “passar” por uma víscera para manipular a que está por trás (ou por baixo) dela. Isto exige uma boa sensibilidade manual, para perceber quando a pressão da sua mão está exatamente na víscera que você quer manipular, e quando a força aplicada está atingindo especificamente a estrutura que você quer, seja um ligamento visceral, um omento, ou outra.
Além disso, as vísceras são estruturas muito sensíveis, extremamente reativas e reflexogênicas, porque são inervadas por fibras autonômicas.
Isto é muito bom para o tratamento manual, porque assim sendo, um pequeno estímulo, desde que preciso e na dose certa, causará um grande efeito e uma considerável melhora. Mas, por outro lado, se o estímulo for excessivo ou mal direcionado poderá causar reações indesejadas.
Por estes motivos, a Manipulação Visceral não é para iniciantes em tratamento manual.
É importante já ter experiência com técnicas manuais e uma boa sensibilidade manual. Se você ainda não utiliza técnicas manuais no seu dia-a-dia é importante estudar primeiro outras técnicas que exijam menos sensibilidade e suavidade, para melhorar suas habilidades manuais, e depois entrar no mundo do tratamento visceral.
Seja este o momento para você aprender e utilizar a Manipulação Visceral, ou não, o fato é que se você quiser evoluir nos resultados que alcança em seus tratamento, não pode deixar de integrar recursos de tratamento visceral na sua prática.